Deus se arrepende?

Reflexões enviadas a um amigo que nos repassou esta pergunta.


A Escritura nos apresenta Deus em antropomorfismos(formas humanas atribuídas a Deus) e antropopatismos(Sentimentos humanos atribuídos a Ele). Se assim não fosse, nosso conhecimento sobre Deus seria completamente nulo, pois sua essência e atributos estão tão acima de nossa compreensão que nada poderíamos saber. Assim, vemos a Bíblia falando da “mão, voz, olhos, emoções...” de Deus. Isto para ‘acomodar’ Deus dentro de uma linguagem que possamos entender. No entanto, ele permanece acima e maior do que tudo isto.
Martinho Lutero escreveu:
“A Escritura atribui a Deus a forma, voz, ações, emoções, etc.. de um ser humano. Isto serve para mostrar consideração com os de menos conhecimento e os fracos. Mas também os grandes e esclarecidos homens, que conhecem bastante das Escrituras precisam adotar estas imagens simples, pois Deus as apresentou e se revelou a nós por meio delas. (Lutero, Leituras em Gênesis, 2-46)


Ou seja, Deus, que está fora do tempo e do espaço e muito acima de qualquer limite humano, entra no tempo e espaço para se dar a conhecer ao ser humano e, por isso, utiliza de expressões, figuras e sentimentos humanos para isso.

É assim que aparece a figura de um Deus que ‘se arrepende’, isto é, muda de idéia. Para alguns aqui está presente a idéia de que Deus, na verdade não sabe exatamente tudo de tudo. Sobre o futuro, pode haver coisas que Deus não conhece exatamente como será, não sabia como terminariam quando começaram. Por isso, mudaria de idéia. Esta linha de pensamento é conhecida como “Teísmo Aberto”. No entanto, conforme demonstrado acima, esta é uma forma de mostrar algo de forma que entendamos. Isto deve permanecer sob o prisma do fato de que Deus permanece Onisciente em todas as situações




É opinião de muitos teólogos que a tradução destas passagens possa ser melhorada. O verbo Nacham, utilizado no original hebraico nestes dois versículos, e em outros também, não tem apenas o sentido de ‘arrepender-se’. Mas pode ser traduzido também como ‘ficar profundamente triste”, ‘lamentar”, “sofreu muito” . Importante destacar que, quando Deus ‘se arrepende’, ou ‘muda de ideia’, o verbo que aparece ali sempre é diferente do utilizado para falar do arrependimento humano,. Deus nunca erra. Por isso, não se arrepende no mesmo sentido que nós precisamos nos arrepender.


Assim, temos em Gn 6.6 esta expressão de antropomorfismo “Deus se arrependeu”. Na sequência, mais uma ‘humanização’.”Isto lhe pesou no coração”. Se eu admitir que “Deus se arrependeu” é o mesmo arrependimento do homem, teria que admitir também que ele tem um coração igual ao nosso, o que não é verdadeiro. Em ambos os casos, são expressões humanas para mostrar a reação de Deus diante da maldade humana e, ao mesmo tempo, mostra que Ele não é um Deus que não é distante. Ele se aproxima, se importa, quer ajudar. Pelo contexto, a tradução de nacham mostrada acima parece ficar melhor no contexto: “Deus ficou profundamente triste por ter criado o homem (Em 1Sm 15.11, 15.35 1 Crônicas 2.15 o verbo nacham aparece, e com o mesmo sentido e contexto).


Poderia permanecer a pergunta: “Mas será que Deus já não sabia que o homem seria mau?” Sabia, de fato, pois ele é Onisciente. È importante lembrar que Deus criou o homem perfeito, em intimo relacionamento com ele. Na queda em pecado, o homem, em seu livre arbítrio, escolheu romper o relacionamento e a partir daí, tudo só piorou. Deus sabia de tudo isso, no entanto, isto não o impede de sentir profunda tristeza pelo fato. Como um pai que, vendo um filho já crescido (que pode decidir por si) ir por um caminho errado, já sabe o que vai acontecer. E mesmo assim sente tristeza por isso.

Ainda, é importante acrescentar que Deus já havia prometido o Salvador (Genesis 3;.15) para a sua criatura mais preciosa, o ser humano. Por isso, ele não estava arrependido de ter criado, no sentido que achava que não devia ter feito ou que devia parar por ali. Este antropomorfismo, ‘Deus sentiu muito...isso lhe pesou no coração’ demonstra um Deus próximo, que fica triste por ver muitos homens seguirem o caminho da maldade. E que, reforçando, já anunciara o meio pelo qual redimiria esta humanidade.


O mesmo caso pode ser observar em Êxodo 32.14, quando Deus ‘se arrepende do mal que dissera que faria ao povo”. A melhor tradução de nacham, aqui, (que, no hebraico, está no Nifal), é “recolheu/ recuou”, o que confere com outros contextos onde o verbo aparece na mesma forma. (ex: Exodo 32:12; 2 Samuel 24:16 (1 Crônicas 21:15); Isaías 57:6; Jeremias 42:8, entre outras)

Em Números 23.19, o verbo nacham (utilizado aqui no hitpael), vem logo após “para que minta”. Dentro do paralelismo hebraico, (repetição da mesma idéia em duas frases em sequência), vemos que o ‘não arrepender-se”, está conectado com mentir e também com “ser humano”. Ou seja, Deus não fracassa moralmente, não erra, assim, não tem porque se arrepender –já nós seres humanos, sim.


Deus não é como o ser humano para se arrepender de algum mal que tenha feito, como diz Tiago, “Nele não há variação ou sombra de mudança “(Tiago 1.17)


Quando se trata do arrependimento humano, onde estão envolvido erro, queda moral e posterior necessidade de perdão, o hebraico utiliza o verbo shuv – este nunca é utilizado para Deus, somente para o homem.



Fonte de consulta:
Does God repent or change his mind?
(Walter Maier III)

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